É muito fácil sermos atraídos por coisas triviais que nos fazem perder o foco com o que realmente importa. Por isso, precisamos estabelecer prioridades, ou melhor, hierarquizar e harmonizar nossos pensamentos e nossas ações, pois, o grande equívoco do ser humano é julgar-se conhecedor de tudo.
Essa é uma pretensão que, certamente, não agradaria ao mestre Sócrates, julgando pela máxima atribuída a ele: “só sei que nada sei” que significa, literalmente, o reconhecimento da própria ignorância. Não de uma ignorância qualquer, mas de uma ‘douta ignorância’, ou seja, de uma pré-disposição mental em relação à procura do conhecimento.
Para isso, nada melhor do que começar pelo autoconhecimento. Isso já era uma prática na Grécia antiga, se levarmos em conta a máxima “conhece-te a ti mesmo” atribuída à primeira pitonisa do oráculo de Delfos. Essa máxima, certamente, é o ponto de partida para a construção de todo o conhecimento, ou seja, é o sésamo capaz de abrir o horizonte do mais exigente saber. Ainda que não sirva para encontrar a verdade absoluta, servirá ao menos, para regular nossas atitudes face aos desafios impostos por uma sociedade cada vez mais líquida, como diria Zygmunt Bauman.
Esta sociedade em decadência vai na contramão do progresso cultural, científico e econômico das últimas décadas. Cunhada por muitos como ‘sociedade do conhecimento’, paradoxalmente, nos empurra, de novo, rumo ao obscurantismo, à miséria e à pobreza do pensamento, contrariando o ideal da Idade das Luzes, cuja pretensão era, segundo Kant, a emancipação intelectual e o progresso, ou seja, a saída do homem da menoridade por si mesmo em plena liberdade.
A pretensão kantiana, certamente, está em franco desmoronamento, pois, tudo leva a crer que as opiniões simplistas e o crescente império das ideologias deixam pouco espaço à legitimação do conhecimento. Para contrariar essa marcha rumo ao abismo, precisamos abrir as portas da nossa mente, pois, a experiência nos mostra que estamos constantemente aprendendo. Para isso, a receita já foi dada pelo psicanalista Augusto Cury, segundo o qual, não existem mentes impenetráveis, apenas chaves erradas.
O conhecimento, como diz o velho ditado, não ocupa espaço, é ilimitado, renovável e reciclável. O que é limitada é a nossa razão que gostaria de ter acesso às verdades absolutas, mas é constantemente enganada pela imaginação ou outras ‘potências enganadoras’. Mesmo assim, devemos acreditar, segundo a cientista polonesa, Marie Curie que temos talento para alguma coisa, e que essa coisa, custe o que custar, deve ser alcançada.
Então, cabe a cada um acompanhar as transformações na mesma velocidade com que acontecem. Por isso, o citado ditado tornou-se uma expressão tão ‘popular’ que nos faz ter certeza de que não existem barreiras intransponíveis para o conhecimento quando este transcende os limites disciplinares.
No entanto, é preciso ter claro o que definimos como conhecimento. A esse respeito o escritor inglês, Aldous Huxley não deixa dúvidas. Segundo ele, conhecimento não é aquilo que se sabe, mas o que se faz com aquilo que se sabe, ou seja, o impacto que se pode provocar nos outros através daquilo que conhecemos e partilhamos.
Nos Ensaios dessa coletânea, ao contrário de uma abordagem excessivamente disciplinar, privilegiei uma abordagem interdisciplinar como forma de aguçar a capacidade reflexiva dos leitores e, certamente, preencher algumas lacunas do pensamento técnico ‘mutilado’ pela especialização. No entanto, ao reuni-los em uma única obra sugiram vários questionamentos:
1. Os conteúdos abordados nos Ensaios foram bem elaborados?
2. Alguém ligado à administração pública aceitará fazer o prefácio da obra?
3. Alguma editora aceitará o desafio de publicar uma obra escrita por alguém cuja formação acadêmica pouco ou nada se relaciona com os temas tratados nos Ensaios?
Logo cheguei à conclusão que, para escrever um texto coerente e com qualidade desejável, não precisa ser especialista na área. Aliás a hiperespecialização, como uma das marcas da ciência moderna, na verdade vem contribuindo para uma visão míope e provincianista em detrimento de uma visão ampla e universalizante, ou seja, capaz de enxergar por vários ângulos os problemas que assolam nossa atual sociedade, e, em particular, a administração pública. Nesse aspecto, a linguagem, por vezes, excessivamente técnica dificulta a compreensão, pois, torna-se uma ‘língua estranha’ e pouco acessível para quem não está imerso nesse quadro circunstancial dos conceitos.
Desta forma, o tecnicismo longe de tornar-se a estratégia mais adequada para transmissão e aquisição de saberes, revela-se ‘castradora’, pois, em vez de criar pontes entre o ‘desconhecido’ e o ‘conhecido’, em verdade, estabelece barreiras epistemológicas intransponíveis. Por esse motivo, a metodologia que privilegiei, foi inspirado nos escritos de Hilton Japiassu, mais concretamente na obra O sonho transdisciplinar. Nela o autor propõe que o conhecimento interdisciplinar, ou melhor, transdisciplinar deve implicar uma visão transcultural, ou seja, o estudo e a compreensão da sociedade e suas estruturas sem barreiras disciplinares.
Para finalizar, convido a todos a navegarem pelas páginas dessa coletânea. A leitura é uma ótima ferramenta para o aprimorando e, sobretudo, para a revisão de determinados conceitos e práticas. Reitero, uma vez mais a máxima de Thoreau, segundo o qual, muitos iniciam uma nova era em suas vidas a partir da leitura de um livro. Não que eu seja tão pretensioso a ponto de querer mudar a vida de alguém, mas, se conseguir, pelo menos, incentivar a cada leitor a ter um novo olhar sobre as questões abordadas, os Ensaios terão cumprido seu papel.
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