“A verdadeira integridade é fazer a coisa certa, sabendo que ninguém vai saber se você fez isso ou não”
Arlindo Nascimento
Rocha[1]
Para
início de conversa, não existe sequer a possibilidade de pensarmos que ‘integridade’
e ‘compliance’ possam ser ou vir a ser mera ficção ou futurismo da parte
dos gestores públicos e privados. Óbvio que ainda temos um logo caminho a
percorrer, porém, é verossímil afirmar com absoluta certeza, que já é uma
realidade cada vez mais presente na administração pública e privada, muito em
função dos ganhos em termos de cumprimento de normas, transparência, controle e
prevenção.
No
entanto, ainda é visível que algumas inciativas estão na fase embrionária de
implementação de novos processos. Então, é preciso enfatizar que as empresas públicas
e privadas só terão sucesso se os processos implementados tiverem consistência
e continuidade. A luta pela integridade e pelo compliance deve ser contínua
e não episódica, tendo em conta que, lutar pelo que é correto e justo é uma
imperiosa necessidade julgando pelo que estamos vivendo na atualidade.
A
popularização desses conceitos no Brasil, emergiu a partir de situações
adversas vividas na administração pública e privada que, por anos vinham
reproduzindo uma cultura e uma ausência de honestidade, probidade e
conformidade que levou o país a ser
manchete em grandes veículos de comunicação nacional e internacional pelos
escândalos de corrupção que solaparam a base moral e ética não só das
instituições privadas, mas também das públicas, corrompendo a mente de muitos profissionais
que procuravam na função pública e privada uma forma de enriquecimento rápido e
a qualquer custo.
Ainda
é comum utilizar os dois conceitos (compliance e integridade) como se
fossem sinônimos. Na realidade, um complementa o outro e não se auto excluem. É
natural que, a primeira coisa que se faz quando se utiliza conceitos correlatos,
é procurar definições mais ou menos consensuais, isto porque é pacífico entre
especialistas, que as definições desde que devidamente contextualizadas são imprescindíveis
em todos os domínios de conhecimento.
Neste
caso, a exegese textual já indica que recusar qualquer definição ou tentativa
de correlacionar conceitos é recusar inteligibilidade, é dificultar o diálogo, a
compreensão e a comunicação. Nesse caso específico, é notório que ambos termos carecem
de purificação semântica por causa do uso de uma linguagem, por vezes,
inadequada ou simplória. Por isso, é proveitoso seguirmos tentando estabelecer
nexos linguísticos entre compliance e integridade como forma de
clarificá-los quanto a gênese e importância tanto na função pública, bem como nas
iniciativas privadas.
Em
sua origem compliance vem do inglês to comply (cumprir), ou seja,
estar em conformidade com normas, leis e regulamentos, elementos essenciais à
boa governança e uma prioridade estratégica para a maioria das instituições que
tentam a todo custo evitar sanções. Por isso, desde 2013, com a publicação da
Lei anticorrupção no12.846 e regulamentado em 2015 pelo Decreto
8.420, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública, o termo compliance
passou a fazer parte do jargão utilizado na administração pública e privada, e
de certa forma, começou a fazer parte do vocabulário dos brasileiros em geral.
Já
integridade, do latim integritate pode ser considerado uma virtude que
se traduz numa conduta reta, honrosa, ética, educada e briosa. Em seu sentido lato,
refere-se às características de algo inteiro, intocado, não maculado ou
danificado. Nesse sentido, é um conceito muito mais abrangente, pois, não se
limita apenas em estar em conformidade ou seguir normas e leis. Diferentemente
de compliance, integridade como veremos, não significa o simples estar
em conformidade.
Como
conceito filosófico pode ser considerado, segundo Luiz Fernando Lucas, autor da
obra A era da integridade: Homo Conscious – A próxima evolução, como
sendo “a soma de todos os valores absolutos, de todas as virtudes. É a ausência
de falhas de caráter, de medo, de pensamentos e emoções negativas. Integridade
é perfeição, inteireza, unicidade e completude”, ou seja, é inquestionavelmente
uma qualidade suprema, pois, sem ela nenhum sucesso real é possível, uma vez
que permeia toda a práxis humana seja no âmbito pessoal ou profissional.
A
integridade como valor universal já faz parte do nosso dia a dia, por isso, é
comum falar de ‘cultura de integridade’, mas, no atual patamar em que nos
encontramos, é oportuno ainda falar em ‘desafio cultural’, pois, romper
paradigmas leva tempo. Esse desafio deve fazer com que cada pessoa acredite e
aja de acordo com os princípios elencados por Lucas, sendo ela, a bússola moral
enraizada no ‘Ser’ do homo conscious (cidadão consciente), não apenas
exibido na forma como age ou não quando está sendo observado pelos outros.
Por
isso, integridade tornou-se a pedra angular não só nas relações interpessoais,
mas também na atual cultura corporativa, pois, ultrapassa as fronteiras da mera
conformidade, podendo ser considerado um sistema que engloba valores
compartilhados que incluem ética, respeito, responsabilidade, justiça,
prevenção, transparência e controle. Desta forma, passou a ser vista como uma forma
de anuência a um conjunto de valores plenamente justificáveis, onde o critério
de justificação é a realidade objetiva, materializada através das relações
humanas e laborais que requerem muito mais do que a adesão arbitrária a um
conjunto de valores individuais, mas, a adesão a uma categoria de valores aceites
e partilhado por todos.
Logo,
pode-se inferir com razoável segurança que a sociedade encontrou na integridade,
o liame entre o ‘pensamento correto’ e a ‘ação correta’, um acordo intrinsicamente
ético entre ‘ser correto’ e ‘fazer a coisa certa’, com base em regras
(imperativos categóricos), visto que, agir com base nesses princípios, é o
certo a se fazer, como diria Immanuel Kant. Portanto, fazer a coisa certa mesmo
quando ninguém está vendo ou vai ficar sabendo, é a essência da integridade,
assinala Winfrey, ou seja, é a fórmula absolutamente necessária para curar as mazelas
de uma sociedade fustigada pela corrupção, mãe de todas as assimetrias sociais assinaladas
por Lucas, que infelizmente, ainda assolam nosso país.
No
entanto, nem tudo está perdido, aliás é o próprio autor citado que nos alerta
que essas assimetrias podem ser minimizadas pelo ‘consciente íntegro’, uma
virtude em progresso, pois, o futuro de cada cidadão, segundo ele, está intimamente
ligado ao autoconhecimento e a consciência da sua responsabilidade ética,
consciente do que deve e do que não deve fazer ou permitir na vida pessoal
e no desempenho das suas funções profissionais. Por isso, é um imperativo
seguirmos lutando para que haja mais integridade, pois, nisso reside a essência
do combate à corrupção.
Nesse
sentido, todos os gestores da administração pública e privada que almejam estar
em conformidade com as leis/normas, que observam estritamente os princípios e os
valores norteadores da integridade e do compliance, maximizam suas possibilidades
de serem considerados instituições íntegros, sãos, imaculados e sem desvios,
conforme as diretrizes que devem embasar a atuação de gestores e servidores de
forma ética, transparente e comprometida.
Niterói
01/06/2021
[1] Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.



