Pesquisar

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Integridade e compliance: realidade ou ficção na administração pública e privada?

 

 

“A verdadeira integridade é fazer a coisa certa, sabendo que ninguém vai saber se você fez isso ou não” 


[Oprah Winfrey].

  

Arlindo Nascimento Rocha[1]

Para início de conversa, não existe sequer a possibilidade de pensarmos que ‘integridade’ e ‘compliance’ possam ser ou vir a ser mera ficção ou futurismo da parte dos gestores públicos e privados. Óbvio que ainda temos um logo caminho a percorrer, porém, é verossímil afirmar com absoluta certeza, que já é uma realidade cada vez mais presente na administração pública e privada, muito em função dos ganhos em termos de cumprimento de normas, transparência, controle e prevenção.

No entanto, ainda é visível que algumas inciativas estão na fase embrionária de implementação de novos processos. Então, é preciso enfatizar que as empresas públicas e privadas só terão sucesso se os processos implementados tiverem consistência e continuidade. A luta pela integridade e pelo compliance deve ser contínua e não episódica, tendo em conta que, lutar pelo que é correto e justo é uma imperiosa necessidade julgando pelo que estamos vivendo na atualidade.     

A popularização desses conceitos no Brasil, emergiu a partir de situações adversas vividas na administração pública e privada que, por anos vinham reproduzindo uma cultura e uma ausência de honestidade, probidade e conformidade que levou  o país a ser manchete em grandes veículos de comunicação nacional e internacional pelos escândalos de corrupção que solaparam a base moral e ética não só das instituições privadas, mas também das públicas, corrompendo a mente de muitos profissionais que procuravam na função pública e privada uma forma de enriquecimento rápido e a qualquer custo.

Ainda é comum utilizar os dois conceitos (compliance e integridade) como se fossem sinônimos. Na realidade, um complementa o outro e não se auto excluem. É natural que, a primeira coisa que se faz quando se utiliza conceitos correlatos, é procurar definições mais ou menos consensuais, isto porque é pacífico entre especialistas, que as definições desde que devidamente contextualizadas são imprescindíveis em todos os domínios de conhecimento.

Neste caso, a exegese textual já indica que recusar qualquer definição ou tentativa de correlacionar conceitos é recusar inteligibilidade, é dificultar o diálogo, a compreensão e a comunicação. Nesse caso específico, é notório que ambos termos carecem de purificação semântica por causa do uso de uma linguagem, por vezes, inadequada ou simplória. Por isso, é proveitoso seguirmos tentando estabelecer nexos linguísticos entre compliance e integridade como forma de clarificá-los quanto a gênese e importância tanto na função pública, bem como nas iniciativas privadas.

Em sua origem compliance vem do inglês to comply (cumprir), ou seja, estar em conformidade com normas, leis e regulamentos, elementos essenciais à boa governança e uma prioridade estratégica para a maioria das instituições que tentam a todo custo evitar sanções. Por isso, desde 2013, com a publicação da Lei anticorrupção no12.846 e regulamentado em 2015 pelo Decreto 8.420, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, o termo compliance passou a fazer parte do jargão utilizado na administração pública e privada, e de certa forma, começou a fazer parte do vocabulário dos brasileiros em geral.

Já integridade, do latim integritate pode ser considerado uma virtude que se traduz numa conduta reta, honrosa, ética, educada e briosa. Em seu sentido lato, refere-se às características de algo inteiro, intocado, não maculado ou danificado. Nesse sentido, é um conceito muito mais abrangente, pois, não se limita apenas em estar em conformidade ou seguir normas e leis. Diferentemente de compliance, integridade como veremos, não significa o simples estar em conformidade.

Como conceito filosófico pode ser considerado, segundo Luiz Fernando Lucas, autor da obra A era da integridade: Homo Conscious A próxima evolução, como sendo “a soma de todos os valores absolutos, de todas as virtudes. É a ausência de falhas de caráter, de medo, de pensamentos e emoções negativas. Integridade é perfeição, inteireza, unicidade e completude”, ou seja, é inquestionavelmente uma qualidade suprema, pois, sem ela nenhum sucesso real é possível, uma vez que permeia toda a práxis humana seja no âmbito pessoal ou profissional.

A integridade como valor universal já faz parte do nosso dia a dia, por isso, é comum falar de ‘cultura de integridade’, mas, no atual patamar em que nos encontramos, é oportuno ainda falar em ‘desafio cultural’, pois, romper paradigmas leva tempo. Esse desafio deve fazer com que cada pessoa acredite e aja de acordo com os princípios elencados por Lucas, sendo ela, a bússola moral enraizada no ‘Ser’ do homo conscious (cidadão consciente), não apenas exibido na forma como age ou não quando está sendo observado pelos outros.

Por isso, integridade tornou-se a pedra angular não só nas relações interpessoais, mas também na atual cultura corporativa, pois, ultrapassa as fronteiras da mera conformidade, podendo ser considerado um sistema que engloba valores compartilhados que incluem ética, respeito, responsabilidade, justiça, prevenção, transparência e controle. Desta forma, passou a ser vista como uma forma de anuência a um conjunto de valores plenamente justificáveis, onde o critério de justificação é a realidade objetiva, materializada através das relações humanas e laborais que requerem muito mais do que a adesão arbitrária a um conjunto de valores individuais, mas, a adesão a uma categoria de valores aceites e partilhado por todos. 

Logo, pode-se inferir com razoável segurança que a sociedade encontrou na integridade, o liame entre o ‘pensamento correto’ e a ‘ação correta’, um acordo intrinsicamente ético entre ‘ser correto’ e ‘fazer a coisa certa’, com base em regras (imperativos categóricos), visto que, agir com base nesses princípios, é o certo a se fazer, como diria Immanuel Kant. Portanto, fazer a coisa certa mesmo quando ninguém está vendo ou vai ficar sabendo, é a essência da integridade, assinala Winfrey, ou seja, é a fórmula absolutamente necessária para curar as mazelas de uma sociedade fustigada pela corrupção, mãe de todas as assimetrias sociais assinaladas por Lucas, que infelizmente, ainda assolam nosso país.

No entanto, nem tudo está perdido, aliás é o próprio autor citado que nos alerta que essas assimetrias podem ser minimizadas pelo ‘consciente íntegro’, uma virtude em progresso, pois, o futuro de cada cidadão, segundo ele, está intimamente ligado ao autoconhecimento e a consciência da sua responsabilidade ética, consciente do que deve e do que não deve fazer ou permitir na vida pessoal e no desempenho das suas funções profissionais. Por isso, é um imperativo seguirmos lutando para que haja mais integridade, pois, nisso reside a essência do combate à corrupção.

Nesse sentido, todos os gestores da administração pública e privada que almejam estar em conformidade com as leis/normas, que observam estritamente os princípios e os valores norteadores da integridade e do compliance, maximizam suas possibilidades de serem considerados instituições íntegros, sãos, imaculados e sem desvios, conforme as diretrizes que devem embasar a atuação de gestores e servidores de forma ética, transparente e comprometida.

Niterói 01/06/2021



[1] Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.

Ética e deontologia profissional na Função Pública


"Age como se a máxima da tua ação fosse para ser transformada, através da tua vontade, em uma lei universal[...]"

 [Immanuel Kant].  

Arlindo Nascimento Rocha[1]

 

Atualmente, quando se fala em ‘função pública’, logo pensamos (genericamente) em um conjunto de atribuições que podem e devem ser desempenhadas por ‘agentes públicos’, podendo ser em funções temporárias ou em cargos de confiança. A isso vem associado um conjunto de julgamentos que muitas vezes não abonam em favor da nobre missão que é de servir com responsabilidade, transparência e integridade nas diversas esferas da governança.  

O termo ‘agente’ (do latim agens) refere-se ao sujeito da ação, isto é, àquele que exerce uma determinada ação. Na lei brasileira o ‘agente público’ segundo a Lei no 8.429/02/01/1992 em seu Art. 2° “é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função (…)”. No entanto, é preciso frisar que existem outros tipos de vínculos: servidor público, empregado público, terceirizados (...). Sendo assim, a categoria ‘agente público’ contempla todos os servidores, ou seja, todos que exercem funções a nível federal, estadual e municipal.

A Lei que regulamenta esse tipo de contratação é a 8.754/1993 que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender ao interesse público, como está previsto na Constituição Federal, em seu Art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.” No Inciso IX reafirma-se que: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.”

No desempenho das suas atribuições, os agentes públicos, principalmente os que ocupam funções administrativas ou de chefia, deparam-se com situações em que é preciso tomar determinadas decisões. Mas, nem sempre são pautadas nas melhores práticas. Boas decisões exigem discernimento, integridade, honestidade, mas, sobretudo, o exercício das virtudes éticas. Esse exercício requer que todo o agente público, aja com decência, ou seja, virtuosamente, pois, são eles que estão na linha de frente, lidando com recursos públicos. Diante das inúmeras demandas, são eles a tomar as melhores decisões com a finalidade de garantir o bem comum, baseado em padrões e princípios éticos de probidade, decoro e boa-fé, sendo que, este último princípio tem a função de estabelecer o padrão ético e de conduta dos agentes públicos.

Mas, o que significa ser virtuoso ou agir virtuosamente? Na ética aristotélica, a virtude desempenha um papel central na busca do télos (finalidade), através da prática de boas ações que visam o bem de todos. Logo, ser virtuoso significa agir em prol do bem comum, ou seja, em prol da comunidade. Na esteira de Aristóteles, pode-se elencar três características para que um agente público possa ser considerado virtuoso: deve ter consciência da justiça; agir motivado pela própria ação; e, agir com absoluta certeza da justeza do seu ato. Portanto, quanto mais exercitar suas virtudes, mais virtuoso será.  

Nesse caso, o estagirita considerava a virtude como o ‘meio-termo’ entre dois perigosos extremos, ou seja, uma espécie de mediedade, na medida em que visa um meio entre o excesso e a falta. A semelhança do que afirmou em sua obra Ética a nicômaco, o agente público deve ser visto como alguém que tenha boa reputação, pois, deve praticar a virtude acima de tudo. Logo, precisa ser um bom exemplo de cidadania, integridade e honestidade. Como a mulher de Cesar, não basta o agente ser honesto, deve parecer honesto, pois, só se torna virtuoso e ético convivendo e relacionando com os outros.  

Por isso, não basta apenas praticar atos virtuosos, é preciso que se tenha uma conduta virtuosa, sabendo e querendo fazê-la. Virtuosidade não deve ser confundida com um simples ato voluntário ou uma opinião. Por isso, é necessário organizar um novo referencial de orientação do comportamento do agente público, em que prevaleça “(...) o bem de todos, sem preconceitos (...)”, como está explícito na Constituição Federal em seu Art. 3º, Inciso IV.

Mas, o grande desafio na função pública é ter esse equilíbrio para encontrar efetivamente esse ‘meio-termo’, ou seja, esse ‘caminho-do-meio’ baseado no esforço contínuo para exercer uma função com sabedoria, integridade e honestidade, valores que são cruciais à sociedade. Mesmo assim, não se deve esquecer que esse caminho também pode ser o da mediocridade. Nesse sentido, a fronteira entre ser íntegro ou não, está na capacidade de lidar com os quereres dos outros e encontrar a justa proporção entre uma decisão rígida, porém, justa ou uma decisão benévola, mas sem efeito prático na transformação do comportamento ético do agente.      

Diante da complexificação das relações laborais no contexto do funcionalismo público brasileiro em geral, é observável, em certos casos, atitudes e comportamentos que muitas vezes espelham desvios de conduta, fraudes e corrupção no que tange a inobservância dos limites legais que cada agente deve exercer suas funções. No entanto, nos últimos anos o Brasil vem seguindo a tendência mundial, relativamente aos debates em torno de questões éticas que envolvem a administração pública. Aliás, como vimos anteriormente, o Art. 37 da Constituição Federal, enfatiza claramente os princípios fundamentais que visam garantir os aspectos éticos e de transparência.

É nesse sentido que a ética e a deontologia profissional tornaram-se fundamentais, pois, hodiernamente são duas áreas de conhecimento que evidenciam a possibilidade de recuperar determinados valores profissionais que ao longo do tempo foram colocados de parte, em consequência da crise que assola a sociedade como um todo.

Etimologicamente, ética (do grego ethos, ‘costume’, ‘hábito’ ou ‘caráter’) como conhecemos hoje, está associada diretamente a ideia de virtude.  Essa ideia, como vimos, foi defendia inicialmente por Aristóteles, o primeiro a tratar a ética como campo de conhecimento associado ao modo de regulação do comportamento dos indivíduos. Além dele, outras figuras importantes como Maquiavel, Espinoza, Jeremy Bentham, Stuart Mill, Kant e Nietzsche também refletiram sobre o tema em suas respetivas épocas.

Apesar disso, ética em seu sentido lato, continua sendo um conceito polissêmico, aliás, é um daqueles conceitos que todos conhecem e usam, mas não sabem explicar. Regra geral, é considerada uma ciência da conduta humana. No entanto, pode ser concebida de duas formas diferentes: a que considera como ciência do fim para qual a conduta humana deve ser orientada e os meios para atingir tal fim; e a que considera a ciência do móvel da conduta e procura determinar tal móvel com vista a disciplinar essa conduta. Mas, atualmente existe consenso entre os estudiosos que a ética é uma filosofia prática que procura regulamentar a conduta, tendo em vista o desenvolvimento humano, uma vez que procura aperfeiçoar seu caráter através de atos que se orientam pela retidão, isto é, a concordância entre a ação, a verdade e o bem comum.

Tornou-se também, um imperativo falar em ‘deontologia profissional’, sobretudo, como referência à noção de dever ético ou professional. O termo deriva do grego deontos/logos e significa o estudo dos deveres que surgiu a partir da necessidade da autorregulagem de condutas profissionais. O termo, segundo o filósofo Italiano Nicola Abbagnano, começou a ser usado em 1834 por meio da obra póstuma de Bentham Deontology or the science of morality. Inicialmente era usado para designar uma ciência do ‘conveniente’, ou seja, uma moral fundada na tendência a perseguir o prazer e fugir da dor [...].

A tarefa do deontólogo, diz Bentham, é ensinar ao homem como dirigir suas emoções de tal modo que as subordine ao seu bem-estar. Contrariamente à ideia de Bentham, na filosofia moral (séc. XX) passou-se a falar em ‘éticas deontológicas’ ou do ‘dever’. Um exemplo desse tipo de ética é a kantiana que prescreve o ‘dever’ pelo ‘dever’, uma crítica ao utilitarismo benthamiano, como adverte Michael Sandel, pois, fundamenta-se no respeito e na dignidade da pessoa humana.

De modo geral, a deontologia profissional é entendida como a forma de reger os comportamentos profissionais visando alcançar bons resultados, garantir a confiança e proteger a reputação do agente público. Reger os comportamentos, significa orientar a atuação do agente na execução de atos administrativos a bem do interesse público, sempre com base em valores regidos pela ética profissional.

Por isso, deve ter como sustentáculo os princípios ou normas exigíveis e exequíveis por todos os agentes, ainda que não estejam regulamentadas pelas leis vigentes. Em razão disso, os códigos deontológicos ampliam o sentimento ético. Em certos casos, ética e deontologia são inseparáveis e muitas vezes usadas como sinónimos. Mas, ética não se reduz à deontologia, pois, é preciso ir além do mero cumprimento das normas deontológicas.

Nesse sentido, e, voltando a Aristóteles, o bom agente público deve desenvolver todas as virtudes profissionais e humanas, exercitadas através da profissão. Logo, todos devem exercer seus deveres com zelo, dignidade, decoro e integridade tendo consciência que os princípios éticos são primados maiores que norteiam o serviço público, seja no exercício do cargo ou fora dele. A semelhança do que disse Kant, todos devem agir como se a máxima da ação de cada um pudesse ser  transformada em uma lei universal como forma de escapar dos aspectos subjetivos do utilitarismo e compreender que o valor ético das ações está ligado à motivação do agente e não às consequências do ato. 

Para finalizar, reafirma-se que ética e deontologia profissional dizem respeito a todos que trabalham nos diversos níveis da função pública, independentemente da posição hierárquica que ocupam. É importante que todos atuem em consonância com os princípios normativos estabelecidos e que haja controle sobre seus atos. Por isso, torna-se um imperativo a criação de uma política de gestão ética por meio de ações que promovam continuamente a integridade na função pública.

Sejamos todos éticos e íntegros no trabalho, na vida, até a eternidade!

24/05/2021

 

 

Referências:

ABAGNANNO, Nicola. Dicionário de filosofia. – 5ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [PDF]. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross: Nova cultural, 1991.
BRASIL. Constituição Federal. - 6ª ed. Até a EC n. 57. – Barueri, SP: Manole, 2009. – (Códigos 2009).
BRASIL. Lei nº 8.429, de 2/07/1992. (Capítulo I, Artigo 2). Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm#:~:text=L8429&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20san%C3%A7%C3%B5es%20aplic%C3%A1veis,fundacional%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art>. Acesso em 24/04/2021.
CARAPETO, Carlos; FONSECA, Fátima. Ética e Deontologia - Manual de Formação. [PDF] - (ISBN 978-972-99919-1 -2), Lisboa, 2012.
SANDELM, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. – 21ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.


[1] Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.

Integridade como indutora da boa gestão e governança corporativa


“A questão da integridade ficará cada vez mais fina, mais delicada e mais bonita”

Richard Fuller

  

Arlindo Nascimento Rocha[1]


Nos últimos anos vivemos uma profunda crise ética e civilizacional, agravada ainda mais pelo desenvolvimento tecnológico, informático e comunicacional. Essa crise se manifesta em todas as esferas da sociedade. Logo, não é exagero afirmar que as utopias do progresso e do conhecimento continuam patinando sobre possibilidades que ainda não se concretizaram.

Apesar de estarmos vivendo na Era da informação e do conhecimento, os resultados ainda não são os melhores, pois, ‘excesso de informação’ não gera ‘excesso de pessoas bem informadas’. Esta Era com alto potencial transformador, paradoxalmente, produziu graves prisões, entre elas: ansiedade (um dos males do século, segundo o psiquiatra Augusto Cury), depressão, medo, intolerância, ódio e dependência.

A grande quantidade de informações disponíveis dificulta a filtragem e a separação entre a ‘boa’ e a ‘má’ informação. Desta forma, muitas pessoas serão em poucos anos uma espécie de androides programados para obedecer e agir de acordo com comandos sociais externos que pouco honrarão a arte de pensar criticamente. Essa situação, segundo o psicólogo Gustave Le Bon, leva a uma espécie de esfacelamento das vontades individuais, e, consequentemente, a regressão aos instintos mais primitivos.

Mas, a crise que vivemos pode significar o surgimento de novas oportunidades de crescimento e amadurecimento. Por isso, não podemos fechar os olhos diante das evidências que apontam para algumas conquistas, em vários setores da sociedade (individual/corporativa), embora não estejamos ainda na velocidade ideal, pois, romper paradigmas leva seu tempo.

Ao deslocarmos nosso foco para questões ligadas a integridade, ousamos afirmar que já existe consenso que ela é o norte pela qual os cidadãos e as instituições públicas e privadas devem guiar suas ações em prol do bem comum, pois, caminhamos lentamente para a ‘Era da Integridade’. Este é o título do livro de Luiz Fernando Lucas, publicado em 2020, que versa exatamente sobre essa nova Era em que precisamos resgatar os valores universais que dão sustentação às relações pautadas na honestidade, respeito, retidão, imparcialidade [...]. Naturalmente, todos os valores, apontados por Lucas, envolvem confiança, e sem isso, as relações humanas e corporativas estão condenadas ao fracasso. 

No entanto, é preciso assinalar que, integridade não é um conceito ‘novo’. Ela faz parte da tradição filosófica, e sempre foi discutida e problematizada. Mas, nos últimos anos, a expressão ganhou vida e tem sido amplamente estudada e utilizada em diversos contextos. Devido a essa amplitude, ela não dispõe objetivamente de uma única definição, pois, é complexa e polissêmica. Mas, isso não deve ser interpretada como sintoma de indefinibilidade, aliás, é antes, a marca de hiperdefinibilidade tal abundância de definições, pois, o campo epistemológico pelo qual o conceito navega é vasto e amplo.

Os filósofos antigos a definem de diversas formas, uma vez que, seu significado depende do contexto e da finalidade em que é aplicada. Mas, independentemente do seu uso no plano macro ou micro, as diferenças são pouco significativas. Atualmente, esse conceito é muito explorado em situações que envolvem relações de poder, seja na política, nos negócios, na administração pública e privada, mas, sobretudo, nas relações interpessoais.   

Ao visitarmos sua origem etimológica, não restam dúvidas que, integridade vem do latim integer ou integritate. No primeiro caso, significa um número inteiro, completo, ou seja, o todo, enquanto que no segundo, significa plenitude, perfeição, solidez, ou ainda, totalidade. Nos dois casos, integridade retrata valores consistentes e reportam a princípios que podem ser verificados ou mensurados quanti e qualitativamente.

No Dicionário de Língua Portuguesa (Academia Brasileira de Letras), integridade é definida como característica do que está em perfeitas condições (aspecto físico), ou qualidade de quem é correto, probo (aspecto moral). Já no Houaiss, integridade é caraterística daquilo que está inteiro, que não sofreu qualquer diminuição, plenitude, inteireza, ou seja, estado daquilo que se apresenta ileso, intacto, que não foi atingido ou agredido.

Tratando-se da conduta humana, integridade representa a qualidade de uma pessoa íntegra, incorruptível e ético cujos pensamentos, atitudes e atos se ancoram na honestidade, retidão, pureza, ou seja, em valores, cujo exercício confere exemplaridade e perfeição a alguém, cuja conduta é irrepreensível, inatacável, imparcial, justo e equitativo.

Portanto, existe certo consenso que, qualquer definição, atribuída a esse conceito, por mais simples ou complexa que seja, designa plenitude, inteireza, totalidade, justeza, perfeição, solidez, eticidade, sendo estas, características (físicas ou intelectuais) comuns às pessoas retas, honestas e incorruptíveis. Por isso, o comportamento ético de cada cidadão, está no cerne da integridade. Logo, não existem pessoas mais ou menos íntegras, pois, integridade não admite incompletude, nem pode ser reduzida a soma de qualidades separáveis, pois, ela vale por si só.    

Mas, esse conceito como vimos, não se aplica apenas às relações humanas, pois, nos últimos tempos capilarizou-se em todos os domínios da administração pública e privada, o que impulsionou positivamente ações de planejamento, execução, monitoramento, avaliação e correção de atitudes e condutas que, geralmente, sempre estiveram na contra mão do que a Era da integridade nos trouxe como fator de transformação, como sugere o autor do livro citado anteriormente.  

Há pouco tempo, e ainda embalados pela ambição do lucro a qualquer preço, pelas vantagens indevidas, pelo suborno e pela corrupção endêmica, se alguém ousasse perguntar ‘o que é integridade?’, seguida da questão que lhe é subsidiária ‘para que ela serve?’, muitos embriagados pelo hedonismo e pela ganância, mesmo sabendo do seu real significado e finalidade, não hesitariam a responder saindo pela tangente.

Em verdade usariam a velha estratégia, coloquialmente falando: primeiro sou eu, segundo sou eu, terceiro sou eu (...) o resto vem depois (...). O individualismo exacerbado e a busca pelo sucesso e riqueza, ainda que breve e a qualquer custo, são, certamente, o sustentáculo das condutas desviantes cujo propósito narcísico, é apenas o bem-estar pessoal em detrimento do coletivo, contrariando assim, o agir ético proposto por Aristóteles, cuja ação virtuosa deve estar em conformidade com a busca do bem comum, ou seja, em prol da sociedade. 

Nesse sentido, o resgate dos valores tanto no domínio individual, bem como no ambiente corporativo têm como finalidade ressignificar o conhecimento clássico da ética baseada em virtudes. Por isso, cada vez mais a administração pública e privada tem tentado adequar suas políticas por forma a valorizar e fortalecer a cultura de integridade.       

Isso só se tornou possível, pois, a maior parte das empresas públicas e privadas optam-se por implementar políticas preventivas como forma de propagar uma nova cultura com base em princípios e valores inegociáveis. Essa nova cultura pauta-se em ações consistentes que espelham, objetivamente, os princípios e os padrões éticos, que deverão ser adotados pelas instituições, com a finalidade de criar barreiras que impedem atitudes corruptas, fraudulentas e desvios de toda a ordem.

Na Era da integridade, os gestores públicos e privados passaram a entender que, as instituições que conseguem sobreviver com coerência(virtude) e congruência(valor) são aquelas que conseguem conciliar valores inegociáveis com a flexibilidade e a agressividade na parte operacional e comercial, como defende Lucas.  

A semelhança das relações humanas, o comportamento ético também está no coração das instituições, pois, aquelas que arriscam sua reputação, credibilidade e desempenho, podem até sonhar alto, mas, a altura que conseguem atingir não ultrapassa a do vôo de uma galinha, enquanto que, aquelas que apostam na integridade fazem vôos de águia e duram gerações. Por isso, além dos valores de integridade, os administradores públicos e privados precisam definir objetivamente as estratégias pelas quais atingirão seus propósitos.

Mas, é preciso ficar atento não só aos propósitos, mas também a governança, pois, segundo o professor Daniel Faccini, quando se tem um propósito forte, mas não se tem governança, ou, ao contrário, quando se tem boa governança, mas não existe propósito algum, a empresa pode durar apenas uma geração. Porém, quando esses dois atributos são conjugados proporcionalmente, pode-se vislumbrar uma empresa centenária, ainda que outros fatores possam não estar absolutamente solidificados.

Por isso, ele nos alerta que existem vários fatores que podem auxiliar na perpetuação de uma empresa como: sustentabilidade, lucratividade, posicionamento no mercado (...). Além destes, ainda é possível acrescentar: programas de integridade e compliance, capacitação contínua, inovação tecnológica, capital intelectual, pesquisas de satisfação, entre outras que podem garantir a longevidade de uma empresa em qualquer ramo de atuação.  

Todos esses fatores citados, aliadas a ética das virtudes fazem com que a integridade seja, efetivamente, indutora da boa gestão e governança corporativa. Desta forma, não é mais possível pensar no sucesso de uma empresa pública ou privada, sem que suas ações estejam em conformidade com os valores de integridade, pois, essa tem sido a mais rápida e mais eficiente forma de impactar e de favorecer essa transição que tem a cultura de valores como base e a integridade como fim.

Como indutora de boa gestão e governança, a integridade passou a ser o pilar principal de qualquer administração, pois, ela é a soma de todos os valores e virtudes, ou seja, é a oportunidade de garantir longevidade, transparência e assimilação de valores aceitos e partilhados por todos e por cada um de nós. 

Niterói, aos 06/07/2021

 

 


[1]Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.

A odisseia do Compliance: dos Estados Unidos da América (séc. XIX) ao Brasil (séc. XXI)

 

Arlindo Nascimento Rocha[1]


"A garantia da conformidade com as normas nacionais e internacionais deverá fazer parte das atividades normais e do dia a dia de uma empresa" 

Selma Carloto


A ideia do Compliance como conhecemos atualmente, não surgiu por mágica nem nasceu do asfalto. Etimologicamente, a palavra Compliance (do inglês ‘to comply’) significa: cumprir, concordar, obedecer, estar de acordo, consentir, sujeitar-se, ou seja, agir de acordo com uma norma, comando ou pedido.

Indo além da etimologia, é importante ressaltar que quando observado nas instituições públicas ou privadas, os gestores devem saber que, estar em Compliance, é estar em conformidade com as leis, normas e regulamentos internos e externos. Logo, é fundamental que as empresas estejam absolutamente conforme o arcabouço legal nas três esferas de governança: federal, estadual e municipal, pois, o Compliance representa o primeiro passo para o fortalecimento dos sistemas de integridade em qualquer instituição.

A cultura do Compliance, ou seja, a ideia de conformidade é uma construção que vem sendo aprimorada desde a segunda metade do séc. XIX até nossos dias. Especialistas na área concordam que sua gênese encontra-se nos EUA. Estudos recentes realizados por Éderson Porto (principal referência para a elaboração deste artigo), que publicou em 2020, a obra Compliance & Governança Corporativa, corrobora essa tese, e sugere que ela surgiu em 1887, com a edição da Interstate Commerce Act (Lei do Comércio Interestadual).

Essa Lei criou a Agência Regulatória Federal Interstate Commerce Commission ‘ICC’ (Comissão de Comércio Interestadual), cujo objetivo era supervisionar e impor diretrizes comerciais às transportadoras, combatendo assim, o monopólio ferroviário. A ICC foi a primeira comissão reguladora dos EUA, estabelecida como resultado da indignação pública contra práticas ilícitas e abusos ferroviários.

Essa ideia embrionária ganhou força no início do séc. XX, com a Pure Food and Drugs Act (Lei Sobre Alimentos e Medicamentos Puros), datada de 1906, cujo objetivo perpassava pela proibição do tráfico de alimentos e medicamentos adulterados. Essa lei, foi a primeira de uma série de outras leis de proteção ao consumidor que foram publicadas pelo Congresso estadunidense.  Sete anos depois, em 1913, foi criado a Federal Reserve (Reserva Federal), primeiro órgão com poderes para estabelecer normas e regulamentações no setor bancário.

Com o Crash da Bolsa de Nova York, iniciada na chamada “Quinta-Feira Negra” (24 de outubro de 1929), houve o colapso do mercado financeiro, causando pânico no setor bancário. Esse colapso inviabilizou as medidas econômicas liberais, que apontavam o capitalismo como instrumento ideal para alcançar o equilíbrio econômico e social, sem a intervenção do Estado, tendo atingido, não só o mercado norte-americano, mas também, o europeu, o africano, o asiático e o latino-americano, convertendo-se assim, em um flagelo generalizado.

Diante da catástrofe econômica, era preciso encontrar uma saída que pudesse ajudar os mercados a recuperar sua pujança financeira. Por isso, quatro anos depois, em 1933, com o presidente Franklin Roosevelt, foi implementado o New Deal (Novo Acordo), a partir das ideias do economista John Keynes, que apontava a necessidade da intervenção do Estado na economia para garantir o bem-estar de todos. O Novo Acordo visava a recuperação econômica do setor bancário. Com ele estabeleceu-se três normas que representavam o esforço para impor regulamentação ao setor, nomeadamente: Emergncy Banking Act (Lei Bancária de Emergência); Gold Reserv Act (Lei da Reserva de Ouro); e, finalmente, Banking Act of 1935 (Lei Bancária de 1935).

Logo na sequência, em 1934, foi editada a Securities Exchange Act (Lei da Bolsa de Valores), uma lei que passou a reger a negociação de valores mobiliários (ações , obrigações e debêntures) e a incorporar uma série de regras como: elaboração e publicização de relatórios corporativosautorizações para atuar em nome de acionistaspadrões de integridade e ética a serem seguidosregistro de transações exigidos pela legislação

Seis anos mais tarde, em 1940, foi editada a Investiment Company Act (Lei da Empresa de Investimento), destinada a regular o investimento através do estabelecimento de normas de conduta. Quatro anos depois, em 1994, foi criado o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento ‘BIRD', conhecido atualmente como ‘Banco Mundial’ que destacou-se por sua originalidade entre as organizações internacionais criadas depois da Segunda Guerra Mundial, por efetuar empréstimos a países em desenvolvimento.

Na década de 1950, com a Prudential Securities Act (Lei de Títulos Prudenciais) passou a ser obrigatório a contratação de advogados para monitorar o cumprimento dos padrões de conduta pelas empresas. Na década seguinte (1960), a Lei de Títulos Prudenciais continuava repercutindo seus efeitos, quando passou-se a exigir a contratação de Compliance officers. No início da década de 1970, que antecede a criação da primeira ‘Lei anticorrupção’, houve a criação da Corporate Finance (Finanças Corporativas), visando lidar com situações relacionadas a fontes de financiamento, estruturação de capital e decisões de investimento, cuja preocupação era maximizar o valor do acionista.

Em 1977, houve uma mudança de paradigma, ou seja, os EUA entraram efetivamente na ‘Era do Compliance’, com a criação da Foreign Corrupt Practices Act ‘FCPA’ (Lei Sobre Práticas de Corrupção no Exterior). Com essa Lei, o Compliance ganha abrangência e efetividade, pois, passou a ser aplicável a todos os americanos e estrangeiros. Com a promulgação de novas normas em 1998, as disposições anticorrupção passaram a ser aplicadas a empresas estrangeiras.

Como ferramenta de prevenção da corrupção, a FCPA tem tido um papel importante na orientação das empresas no processo de combate à corrupção, pois, desde sua criação, tem servido de inspiração para a criação de legislações anticorrupção em diversos países, nomeadamente, no Brasil que, apesar do investimento nesse quesito, em 2020 ocupava a 106ª posição no Índice de Percepção da Corrupção ‘IPC’, representando o pior resultado desde 2012, segundo informações da Transparência Internacional.

A década de 1980, marca a fase da expansão do Compliance para além das atividades financeiras no mercado americano. Na década seguinte (1990), vários eventos concorrem para a consolidação do Compliance, coma : Financial Action Task Forc (Força-Tarefa de Ação Financeira); Caribbean Finantial Action Task ForceI (Força-Tarfa de Ação Financeira do Caribe); criação da Comissão Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas ‘CICAD’; e, finalmente, a fundação da Organização dos Estados Americanos ‘OEA’.

No início do séc. XX, com a falência da Enron Corporation (companhia de energia americana), devido a falha dos Controles Internos, surgiu novas normas sobre o Compliance. Oito anos depois, em 2008, devido à crise imobiliária, o então Presidente Barack Obama editou a Lei Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer (Lei da Reforma e Proteção ao Consumidor Dodd-Frank Wall Street), que estabeleceu novas agências governamentais encarregadas de supervisionar os vários componentes da lei e, por extensão, vários aspectos do sistema financeiro norte-americano.   

Já na segunda década deste século (2014), foi editada a Lei Foreign Account Tax Compliance Act (Lei de Conformidade de Impostos de Contas Estrangeiras), que busca aplicar a transparência no que diz respeito às normas contábeis e tributárias das empresas, passando a adotar condutas globais através da edição da International Organization for StandardizationISO: 19.600’ (Organização Internacional para Padronização), que apresenta o roteiro para o estabelecimento, implementação, avaliação, manutenção e aprimoramento de sistemas de Integridade e Compliance nas empresas.

Depois de 2016, houve a edição da ‘ISSO 37.001’, que representa o primeiro padrão internacional de sistemas de gerenciamento antissuborno e fornece uma linha de base comum, que as organizações devem usar para gerenciar seus riscos de suborno e implementar padrões de Compliance. A ‘ISO 37.001’ foi absorvida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ‘ABNT’ (NBR37001), que propôs os mesmos objetivos relativamente ao suborno, ou seja, ‘evitar a prática de suborno pelos agentes da administração pública’; e, ‘evitar a prática de suborno oficial e o suborno de particulares’.

As duas normas têm escopos diferentes. A primeira (ISO 19.600), não é certificável, e ocupa-se de todos os riscos de uma instituição, enquanto que a segunda (ISO 37.001), é certificável e passível de creditação, pois, seu foco principal são os riscos de suborno.   

De 1887 até 2016 foi uma longa jornada de quase dois séculos, uma verdadeira odisseia. Essa jornada cheia de fatos e acontecimentos, consolidou progressivamente a confiança e o investimento em sistemas de Compliance que passaram a garantir mais transparência e confiabilidade nos negócios. Essa preocupação com um ambiente de negócios mais ético chegou ao Brasil, exatamente no momento em que as empresas norte-americanas começaram a exigir das filiais brasileiras a adopção de normas anticorrupção e antissuborno.      

Todas as normas elencadas influenciaram positivamente o ordenamento jurídico brasileiro. A despeito da má colocação no ranking do IPC, nas últimas décadas, o Brasil vem aprimorando suas leis até chegar onde estamos. Na segunda década deste século, mais precisamente, entre 2011 e 2013, foram editadas duas leis muito importantes para o combate à corrupção.

A primeira Lei foi a no 12.529/2011 que ‘dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica’; a segunda que, efetivamente, inaugurou a ‘Era do Compliance’ no Brasil’ é a no 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que dispõe objetivamente sobre a ‘responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências’. Os principais objetivos dessa Lei são: ‘suprir a lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra administração pública’; e, ‘atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção’. Sendo assim, ela prevê dois tipos de sansões às pessoas jurídicas que atuarem na contramão da norma: uma de natureza ‘pecuniária’ e outra de natureza ‘condenatória’

A Lei no 12.846/2013, que foi regulamentada pelo Decreto no 8.420/2015, em seu Art. 41, conceitua Programa de Integridade como um “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.

A Operação Lava Jato que teve início em 2014, influenciou decisivamente o surgimento do ‘Estatuo Jurídico da Empresa Pública’, através da Lei no 3. 303/2016, regulamentado pelo Decreto no 8.945/2016. Nesse sentido, a Controladoria Geral da União ‘CGU’, como órgão de controle interno do Governo Federal, vem atuando no sentido de garantir o amadurecimento do sistema de Compliance no Brasil.  

Por isso, a partir da Lei Anticorrupção, editou uma série de normas e regulamentações visando aprimorar os dispositivos de prevenção e combate à corrupção, nomeadamente, a Portaria no 909/2015, que ‘dispõe sobre a avaliação de Programas de Integridade de pessoas jurídicas’; a no 910/2015, que ‘define procedimentos para apuração de responsabilidade administrativa  para celebração de contratos de leniência’; a no 2279/2015, que ‘dispõe sobre avaliação de Programas de Integridade de microempresas e de empresas de pequeno porte’, e, finalmente, a no 1.382/2018, que ‘dispõe sobre Programas de Integridade para Administração Pública’.

A CGU, em pareceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ‘ANVISA’ e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ‘CADE’, editaram conjuntamente duas Portarias. A primeira foi com a ‘ANVISA’ (no 2/2018), e a segunda com a ‘CADE’ (no 4/2018). Ambas estabelecem ‘diretrizes de troca de informações para apuração de casos envolvendo suborno transnacional’. Ainda em 2018, a CGU editou outra Portaria (no 1.089), que regulamenta o Decreto no 9.203/2017, estabelecendo assim, os ‘procedimentos para a estruturação e execução de Programas de Integridade em 350 órgãos federais’.

Para concluir, pode-se afirmar que, o movimento que atualmente é conhecido como cultura do Compliance é o fruto do esforço continuo para o aprimoramento do arcabouço legal internacional e nacional, por forma a responder aos anseios da sociedade comprometida com a transparência, ética, honestidade e probidade.        

Arlindo Rocha – 06/08/2021

 


Referência: 

PORTO, Éderson Garin. Compliance & Governança Corporativa: uma abordagem prática e objetiva. - Porto Alegre: Lawboratory, 2020. 



[1] Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.


Pesquisar neste blogue