“A
questão da integridade ficará cada vez mais fina, mais delicada e mais bonita”
Richard Fuller
Arlindo
Nascimento Rocha[1]
Nos últimos anos vivemos uma profunda crise ética e civilizacional,
agravada ainda mais pelo desenvolvimento tecnológico, informático e
comunicacional. Essa crise se manifesta em todas as esferas da sociedade. Logo,
não é exagero afirmar que as utopias do progresso e do conhecimento continuam
patinando sobre possibilidades que ainda não se concretizaram.
Apesar de estarmos vivendo na Era da informação e do conhecimento,
os resultados ainda não são os melhores, pois, ‘excesso de informação’ não gera
‘excesso de pessoas bem informadas’. Esta Era com alto potencial transformador,
paradoxalmente, produziu graves prisões, entre elas: ansiedade (um dos males do
século, segundo o psiquiatra Augusto Cury), depressão, medo, intolerância, ódio
e dependência.
A grande quantidade de informações disponíveis dificulta a
filtragem e a separação entre a ‘boa’ e a ‘má’ informação. Desta forma, muitas
pessoas serão em poucos anos uma espécie de androides programados para obedecer
e agir de acordo com comandos sociais externos que pouco honrarão a arte de
pensar criticamente. Essa situação, segundo o psicólogo Gustave Le Bon, leva a uma
espécie de esfacelamento das vontades individuais, e, consequentemente, a regressão
aos instintos mais primitivos.
Mas, a crise que vivemos pode significar o surgimento de
novas oportunidades de crescimento e amadurecimento. Por isso, não podemos
fechar os olhos diante das evidências que apontam para algumas conquistas, em vários
setores da sociedade (individual/corporativa), embora não estejamos ainda na
velocidade ideal, pois, romper paradigmas leva seu tempo.
Ao deslocarmos nosso foco para questões ligadas a integridade,
ousamos afirmar que já existe consenso que ela é o norte pela qual os cidadãos
e as instituições públicas e privadas devem guiar suas ações em prol do bem
comum, pois, caminhamos lentamente para a ‘Era da Integridade’. Este é o
título do livro de Luiz Fernando Lucas, publicado em 2020, que versa exatamente
sobre essa nova Era em que precisamos resgatar os valores universais que
dão sustentação às relações pautadas na honestidade, respeito, retidão, imparcialidade
[...]. Naturalmente, todos os valores, apontados por Lucas, envolvem confiança,
e sem isso, as relações humanas e corporativas estão condenadas ao fracasso.
No entanto, é preciso assinalar que, integridade não é um
conceito ‘novo’. Ela faz parte da tradição filosófica, e sempre foi discutida e
problematizada. Mas, nos últimos anos, a expressão ganhou vida e tem sido
amplamente estudada e utilizada em diversos contextos. Devido a essa amplitude,
ela não dispõe objetivamente de uma única definição, pois, é complexa e polissêmica.
Mas, isso não deve ser interpretada como sintoma de indefinibilidade, aliás, é
antes, a marca de hiperdefinibilidade tal abundância de definições, pois, o
campo epistemológico pelo qual o conceito navega é vasto e amplo.
Os filósofos antigos a definem de diversas formas, uma vez
que, seu significado depende do contexto e da finalidade em que é aplicada. Mas,
independentemente do seu uso no plano macro ou micro, as diferenças são pouco
significativas. Atualmente, esse conceito é muito explorado em situações que
envolvem relações de poder, seja na política, nos negócios, na administração
pública e privada, mas, sobretudo, nas relações interpessoais.
Ao visitarmos sua origem etimológica, não restam dúvidas
que, integridade vem do latim integer ou integritate. No primeiro
caso, significa um número inteiro, completo, ou seja, o todo, enquanto que no
segundo, significa plenitude, perfeição, solidez, ou ainda, totalidade. Nos
dois casos, integridade retrata valores consistentes e reportam a princípios
que podem ser verificados ou mensurados quanti e qualitativamente.
No Dicionário de Língua Portuguesa (Academia
Brasileira de Letras), integridade é definida como característica do que está
em perfeitas condições (aspecto físico), ou qualidade de quem é correto, probo
(aspecto moral). Já no Houaiss, integridade é caraterística daquilo que
está inteiro, que não sofreu qualquer diminuição, plenitude, inteireza, ou
seja, estado daquilo que se apresenta ileso, intacto, que não foi atingido ou
agredido.
Tratando-se da conduta humana, integridade representa a qualidade
de uma pessoa íntegra, incorruptível e ético cujos pensamentos, atitudes e atos
se ancoram na honestidade, retidão, pureza, ou seja, em valores, cujo exercício
confere exemplaridade e perfeição a alguém, cuja conduta é irrepreensível,
inatacável, imparcial, justo e equitativo.
Portanto, existe certo consenso que, qualquer definição,
atribuída a esse conceito, por mais simples ou complexa que seja, designa plenitude,
inteireza, totalidade, justeza, perfeição, solidez, eticidade, sendo estas, características
(físicas ou intelectuais) comuns às pessoas retas, honestas e incorruptíveis.
Por isso, o comportamento ético de cada cidadão, está no cerne da integridade. Logo,
não existem pessoas mais ou menos íntegras, pois, integridade não admite
incompletude, nem pode ser reduzida a soma de qualidades separáveis, pois, ela
vale por si só.
Mas, esse conceito como vimos, não se aplica apenas às
relações humanas, pois, nos últimos tempos capilarizou-se em todos os domínios
da administração pública e privada, o que impulsionou positivamente ações de
planejamento, execução, monitoramento, avaliação e correção de atitudes e
condutas que, geralmente, sempre estiveram na contra mão do que a Era da
integridade nos trouxe como fator de transformação, como sugere o autor do
livro citado anteriormente.
Há pouco tempo, e ainda embalados pela ambição do lucro a
qualquer preço, pelas vantagens indevidas, pelo suborno e pela corrupção
endêmica, se alguém ousasse perguntar ‘o que é integridade?’, seguida da
questão que lhe é subsidiária ‘para que ela serve?’, muitos embriagados
pelo hedonismo e pela ganância, mesmo sabendo do seu real significado e
finalidade, não hesitariam a responder saindo pela tangente.
Em verdade usariam a velha estratégia, coloquialmente
falando: primeiro sou eu, segundo sou eu, terceiro sou eu (...) o resto vem
depois (...). O individualismo exacerbado e a busca pelo sucesso e riqueza,
ainda que breve e a qualquer custo, são, certamente, o sustentáculo das condutas
desviantes cujo propósito narcísico, é apenas o bem-estar pessoal em detrimento
do coletivo, contrariando assim, o agir ético proposto por Aristóteles, cuja
ação virtuosa deve estar em conformidade com a busca do bem comum, ou seja, em
prol da sociedade.
Nesse sentido, o resgate dos valores tanto no domínio
individual, bem como no ambiente corporativo têm como finalidade ressignificar
o conhecimento clássico da ética baseada em virtudes. Por isso, cada vez mais a
administração pública e privada tem tentado adequar suas políticas por forma a
valorizar e fortalecer a cultura de integridade.
Isso só se tornou possível, pois, a maior parte das empresas
públicas e privadas optam-se por implementar políticas preventivas como forma
de propagar uma nova cultura com base em princípios e valores inegociáveis.
Essa nova cultura pauta-se em ações consistentes que espelham, objetivamente,
os princípios e os padrões éticos, que deverão ser adotados pelas instituições,
com a finalidade de criar barreiras que impedem atitudes corruptas, fraudulentas
e desvios de toda a ordem.
Na Era da integridade, os gestores públicos e
privados passaram a entender que, as instituições que conseguem sobreviver com
coerência(virtude) e congruência(valor) são aquelas que conseguem conciliar valores
inegociáveis com a flexibilidade e a agressividade na parte operacional e
comercial, como defende Lucas.
A semelhança das relações humanas, o comportamento ético também
está no coração das instituições, pois, aquelas que arriscam sua reputação,
credibilidade e desempenho, podem até sonhar alto, mas, a altura que conseguem atingir
não ultrapassa a do vôo de uma galinha, enquanto que, aquelas que apostam na
integridade fazem vôos de águia e duram gerações. Por isso, além dos valores de
integridade, os administradores públicos e privados precisam definir
objetivamente as estratégias pelas quais atingirão seus propósitos.
Mas, é preciso ficar atento não só aos propósitos, mas
também a governança, pois, segundo o professor Daniel Faccini, quando se tem um
propósito forte, mas não se tem governança, ou, ao contrário, quando se tem boa
governança, mas não existe propósito algum, a empresa pode durar apenas uma
geração. Porém, quando esses dois atributos são conjugados proporcionalmente,
pode-se vislumbrar uma empresa centenária, ainda que outros fatores possam não
estar absolutamente solidificados.
Por isso, ele nos alerta que existem vários fatores que
podem auxiliar na perpetuação de uma empresa como: sustentabilidade,
lucratividade, posicionamento no mercado (...). Além destes, ainda é possível acrescentar:
programas de integridade e compliance, capacitação contínua, inovação
tecnológica, capital intelectual, pesquisas de satisfação, entre outras que
podem garantir a longevidade de uma empresa em qualquer ramo de atuação.
Todos esses fatores citados, aliadas a ética das virtudes
fazem com que a integridade seja, efetivamente, indutora da boa gestão e
governança corporativa. Desta forma, não é mais possível pensar no sucesso de
uma empresa pública ou privada, sem que suas ações estejam em conformidade com
os valores de integridade, pois, essa tem sido a mais rápida e mais eficiente
forma de impactar e de favorecer essa transição que tem a cultura de valores como
base e a integridade como fim.
Como indutora de boa gestão e governança, a integridade passou
a ser o pilar principal de qualquer administração, pois, ela é a soma de todos
os valores e virtudes, ou seja, é a oportunidade de garantir longevidade,
transparência e assimilação de valores aceitos e partilhados por todos e por
cada um de nós.
Niterói, aos 06/07/2021
[1]Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.

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