“A garantia da
integridade se dá através de estratégias de promoção dos sistemas políticos e
administrativos nos órgãos públicos e na sociedade e através de ações de
accountability”.
Arlindo
Nascimento Rocha[1]
Nos
atuais modelos de gestão, é comum que os cidadãos elejam ou deleguem poderes a
terceiros para gerir seus recursos visando alcançar melhores resultados. Por
seu lado, os gestores ou os responsáveis pela gestão dos recursos públicos ou
privados devem prestar contas aos cidadãos, demonstrando integridade e controle,
sempre em conformidade com a ética e a responsabilidade, ou seja, seguindo as diretrizes
e as normas aplicáveis.
Sendo
assim, o controle exercido em torno da gestão dos recursos torna-se um
imperativo, pois, é uma atividade que envolve confiança, e, sem ela, não é
possível obter bons resultados. Nesse sentido, a confiança é o elo que
gera segurança na medida em que, é a garantia de que o gestor não agirá de
forma oportunista, ou seja, em proveito próprio. Por isso, os cidadãos devem
estar confiantes de que eventuais condutas desviantes na gestão dos recursos
públicos ou privados não deverão acontecer em hipóteses algum.
Sendo
assim, é imprescindível que os atuais modelos de gestão e governança que
compreendem os mecanismos de liderança e controle, devem monitorar e avaliar a
atuação do gestor, garantindo assim, o interesse dos cidadãos. Essa garantia só
é possível através da accountability, o que gera mais confiança, transparência
e efetividade.
No
caso específico da transparência, ela pode ser vista como um valor fim, que
quando observada conscientemente, ajuda a combater a corrupção e a melhorar a
governança. Esta por sua vez, requer a necessidade de estabelecer cadeias de accountability,
observando assim, a gestão participativa, o acesso à informação, o respeito pelos
direitos e garantias e a sustentabilidade ambiental.
Em
suma, a transparência permite que os recursos sejam geridos ou investidos,
partindo de uma visão compartilhada e aberta ao controle interno ou externo. O interno
é aquele que um poder exerce sobre seus próprios agentes enquanto que o externo
é exercido por um poder sobre o outro. Em ambos controles, o feedback é
muito importante, pois, este contribuirá para melhorar a gestão.
Nos
modelos de gestão participativa, a accountability, configura-se como um
direito e uma obrigação que os cidadãos têm, uma vez confiado seus recursos a
um gestor, de garantir a responsabilidade de exigir-lhes explicações pelo poder
que lhes foi conferido, de informar sobre os riscos e assumir as consequências
de seus atos e omissões.
A
compreensão da responsabilidade e suas consequências exclui qualquer
possibilidade de erro intencional ou deliberado, seja qual for o motivo, já que
com o conhecimento adquirido e a análise dos potenciais riscos nenhum erro deve
ser aceitável, pois, não há espaço para buscar validação e massagem do ego.
Como
mecanismo de responsabilização, a accountability tornou-se um conceito
central em relação às questões de governança pública e privada,
responsabilidade pessoal, organizacional e política. Ela permite diferenciar
entre o público e o privado e proporcionar formas de gestão aberta à
participação da sociedade na construção das políticas públicas.
Na esfera
pública, a responsabilização pode ser dividida em dois tipos: responsabilização
vertical e horizontal. No primeiro caso, é realizada em níveis hierárquicos diferentes
de gestão e no segundo, por poderes do mesmo nível o que permite uma maior
participação social.
Accountability
é um conceito que deriva da língua inglesa, mas atualmente faz parte do nosso
vocabulário. No entanto, na língua portuguesa não existe tradução literal, ou
seja, não há uma expressão equivalente. Sendo assim, o conceito ainda carece de purificação semântica,
uma vez que pode ser usada em diferentes contextos e abordagens.
Mesmo
entre especialistas não existe consenso quanto a uma definição única e
objetiva, pois, seu significado permanece subexplorado, ou seja, explorado de
forma insuficiente. Ainda que alguns
autores tenham efetuado algumas aproximações conceituais, não
existe perfeita concordância nas traduções, mesmo que estas sejam próximas ou convergentes.
Mesmo que não haja uma
tradução exata na língua portuguesa, ela pode ser definida objetivamente como
responsabilização, tanto na esfera pública, assim, como na privada. Por isso, vários autores concordam que accountability remete, precisamente, à
obrigação e à participação social, ou seja, a ‘obrigação de responder por algo’ que, na linguagem coloquial,
significa prestar conta a alguém, o que nos remete a uma conclusão importante: ‘quem
falha no cumprimento dos seus deveres e obrigações deve ser responsabilizado’.
Então,
quem tem responsabilidade, também deve estar sujeito à responsabilização
pelo seu desempenho. Neste
sentido, a accountability faz
com que haja responsabilidade pessoal, organizacional e política por um
determinado desempenho, podendo ser bom ou mau. Por isso, ela pode ser
interpretada como sendo um conceito da esfera ética, ou como diria o filósofo
alemão Hegel, da esfera
da eticidade ou da vida ética, entendida como o estudo sobre as
ações humanas consideradas corretas no que tange a gestão dos recursos públicos
ou privados.
O
significado do conceito, como reiteram a maioria dos autores, envolve
responsabilidades acrescidas e intransmissíveis. Como referimos anteriormente,
ela remete ao controle, à obrigação de prestação de contas que deve ser entendida
como o dever de justificar as ações que foram ou não executadas pelo gestor, relatando
todas as atividades que são da sua responsabilidade. Logo, garantir
a accountability é uma prática que está diretamente relacionada à
promoção da transparência, existindo, em certos casos, uma sobreposição entre ambas.
Os
professores de ciência política Andreas Schedler e Richard Mulgan, por exemplo,
interpretam o conceito de forma diferente. O primeiro entende a accountability
como tendo um significado evasivo e confuso, enquanto que o segundo, como sendo
um conceito complexo e camaleônico,
ou seja, polissêmico e que muda com facilidade. Porém, Connors, Smith e Hickman,
autores da obra O princípio de OZ: como usar accountability para atingir
resultados excepcionais concordam que accountability gera senso
(individual ou coletivo) de responsabilidade por resultados.
Independentemente
das divergências entre os especialistas, existe certo consenso que o termo accountability traz implicitamente a
noção de responsabilização pelos atos praticados, sendo que há uma exigência
explícita que, efetivamente, exige a prestação
de contas no âmbito público ou privado.
Esta prestação, diz respeito à “obrigação que têm as pessoas ou entidades às
quais se tenham confiado recursos, incluídas as empresas e corporações
públicas, de assumir as responsabilidades de ordem fiscal, gerencial e
programática que lhes foram conferidas, e de informar a quem lhes delegou essas
responsabilidades”.
Por
isso, é um conceito que vem sendo utilizado em diferentes níveis e
circunstâncias de gestão e governança, denotando assim, a assunção de
responsabilidade, imputabilidade, obrigação e prestação de contas que pode ser
vista como a demonstração do que foi feito ou não com os recursos.
Nas
democracias bem consolidadas, a accountability
tornou-se um pressuposto que tem como premissa básica, a obrigatoriedade de todo
e qualquer gestor, instituição ou poder, independentemente do nível hierárquico,
de ser controlado. Por isso, ela está baseada na necessidade da responsabilização objetiva (conduta) e
subjetiva (provar conduta). Em ambos os casos, a responsabilidade proveniente
da prática de atos ilícitos ou a violação do direito de terceiros deve ser
reparado.
Garantir
a accountability, necessariamente implica: prestar contas, estabelecer
canal para receber manifestações, designar instâncias responsáveis para apurar desvios
éticos dos gestores, servidores ou colaboradores, padronizar procedimentos, capacitar
equipes simplificar apuração de faltas de menor potencial ofensivo e ajustar os
mecanismos que reduzam fraudes e corrupção.
Para
que haja, efetivamente, accountability é
essencial que os cidadãos sejam conscientes
e vigilantes dos seus direitos, deveres e responsabilidades. Em suma, nada
é mais democrático do que o direito que cada cidadão tem de exercer
seu poder de controle, sendo que, para isso, estará contribuindo para
fortalecer os mecanismo de governança e integridade na gestão dos recursos
públicos ou privados, fortalecendo assim a democracia participativa.
[1] Atua como Consultor do Núcleo
de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das
obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de
Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria
como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu,
2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá:
Viseu, 2020; Blaise Pascal: o caniço pensante. - 1ª ed. - Rio de
Janeiro, 2021 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.

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