“O
grande risco é não assumir nenhum risco. Em um mundo que muda, de verdade,
rapidamente, a única estratégia com garantia de fracasso é não assumir riscos”
(Mark Zuckerberg).
Por: Arlindo
Nascimento Rocha[1]
Falar em gestão de
riscos, principalmente, para quem trabalha na administração pública não é novidade
nem modismo, aliás, nem poderia ser, pois, o filósofo espanhol Sêneca já dizia que
viver é correr riscos, amar é correr riscos, confiar é correr riscos...
Alguns necessários, outros nem tanto. Mas, o risco maior é não correr nenhum
risco. Logo, aceitá-los deve ser uma atitude consciente, pois, quando bem
geridos, tornam-se nossos aliados e, sumamente importantes para o nosso
amadurecimento, visto que, ajudam a pavimentar o caminho para o sucesso pessoal
e profissional.
Em geral, risco é
basicamente considerado um aspecto negativo de uma possibilidade, ou seja, a chance
de algo não dar certo devido a infinidade de contingências que enfrentamos no
dia-a-dia ou, simplesmente, o desconhecimento do futuro. Portanto, o risco é
inerente a toda e qualquer atividade humana, por isso, é impossível de ser eliminado.
Essa noção acompanha a evolução da humanidade e foi frequentemente abordada
pelas filosofias clássicas como é o caso da platônica, da aristotélica e das filosofias
existencialistas contemporâneas.
Para Platão, o
risco era belo e inerente à aceitação de certas hipóteses ou crenças,
Aristóteles considerava-o como sendo a aproximação de algo que era terrível,
mas, para os existencialistas (filósofos que exploram o problema da existência
centrada na experiência humana), o risco é considerado como inerente às escolhas
que o homem faz e a toda decisão da existência.
Mesmo não
esgotando as análises filosóficas do termo, é possível constatar que seu
alcance extravasa toda e qualquer particularidade para tornar-se uma questão
perene, universal e atemporal. Situações de risco iminente nos acompanha desde
sempre e para sempre, em qualquer lugar e época. Eliminá-los seria condenar a
humanidade a uma quietude insuportável, ou seja, à morte por inatividade, o que
é literalmente um contra-senso, pois, certamente, nosso risco maior, poria fim de
forma antecipada, nossa curta existência.
Aliás,
o professor austríaco Peter Drucker, acreditava que as pessoas que não correm riscos,
geralmente, cometem cerca de dois erros por ano. Pessoas que assumem riscos,
geralmente, cometem cerca de dois grandes erros por ano. A
diferença reside na coragem de assumi-los. Logo, quem os assume, ao contrário
dos outros, geralmente, consegue bons resultados. Contudo, a atitude do decisor
diante do risco é uma prerrogativa individual.
Só não assume
riscos quem não tem comprometimento com os objetivos mais elementares da vida
ou com o sucesso pessoal e profissional. Nesse aspeto, o empresário
norte-americano, Mark
Zuckerberg acertou em cheio e, certamente, havemos de concordar com ele. Para Zuckerberg,
o grande
risco é não assumir nenhum risco.
Pois, em um mundo que muda, de verdade, rapidamente, a única estratégia com
garantia de fracasso é não assumir riscos.
Então,
enfrentemo-los de peito aberto, pois, o fracasso, está em fugir deles e não na
capacidade de enfrentá-los. É imprescindível assumir que o risco é,
naturalmente, uma condição existencial para o desenvolvimento e aprimoramento humano,
pois, somos fracos e mortais expostos a todos os tipos de riscos e a todos
os tipos de medos como afirmou o filósofo francês André Comte-Sponville.
Logo, não há vida sem riscos.
A evolução da
sociedade, a complexificação das relações humanas, a exploração exacerbada dos
recursos naturais, a eliminação das fronteiras naturais e simbólicas, as Fake
News (tão comuns atualmente), a criação de novos valores, ideologias e
crenças científicas, políticas, filosóficas e religiosas produziram novos
riscos jamais pensados. Estes, de certa forma, não se encaixam nos modelos conceituais
clássicos, pois, com o surgimento de novos riscos, os velhos desaparecem. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês reconheceu
isso, ao afirmar que, os
riscos de hoje são de outra ordem, não podemos senti-los ou tocá-los, porém, estarmos
todos expostos em algum grau, às suas consequências.
Por isso, o
surgimento de um novo paradigma no que tange a gestão de riscos faz-se
necessário exatamente numa época em que os riscos multiplicam-se e renovam-se com
facilidade e a uma velocidade incontrolável. Isso acontece devido ao aumento da
‘liquidez’ nas relações humanas, a volatilidade cultural, ideológica e
política. Esta volatilidade reverbera tanto na esfera individual, assim como na
coletiva. E, ainda mais na gestão das instituições públicas, manifestamente
observada em vários escândalos que solaparam o sustentáculo ético das mesmas
nas últimas décadas.
Como tudo na vida,
a gestão de riscos passa por um processo acumulativo e evolutivo ao longo dos
anos. Na administração pública os gestores estão cada vez mais conscientes que,
no atual contexto de aceleração das transformações, a gestão de riscos surge como
a próxima fronteira para uma atuação ética, transparente, responsável, íntegra e
alinhada às estratégias de gestão e governança nas instituições públicas.
A
base conceitual do novo paradigma supracitado está pautada, basicamente, em frameworks
(estratégias que visam solucionar problemas específicos) internacionais e em um
conjunto de normativos nacionais. Estes, aumentaram significativamente a maturidade
das iniciativas no setor privado. Na gestão pública, algumas experiências ainda
são tímidas, porém, com algum grau de consistência. Logo, é pacífico entre
especialistas no assunto que, a gestão de riscos é um caminho sem volta, uma
vez que, com sua implementação houve a redução progressiva de perdas, e o
impacto sobre a geração de valores, é inequívoco.
No
Brasil, existe um esforço claramente definido para que a política de gestão de
riscos seja uma realidade. Apesar do início tímido, como referimos, em algumas instituições
já está em fase avançada de implementação. Mas, a despeito de todo o esforço, segundo
o advogado Valdir Simão, ainda continua sendo um paradigma a ser alcançado,
pois, o modelo burocrático de controle com foco nas normas e nos procedimentos
e não nos resultados continua sendo praticado nas instituições, de todo o
país.
A
dificuldade em implementar, efetivamente, uma política de gestão de riscos no
Brasil, segundo Simão, teve como obstáculos, basicamente, a escassa
literatura sobre o tema e a inexistência de uma doutrina específica, que
permitisse, segundo ele, guiar os passos dos gestores e a insegurança em
investir em algo não consolidado. Logo, falar sobre gestão de riscos, passa
necessariamente pela desmistificação de vários mitos sobre o tema, dado que, a
mudança cultural não acontece em um passe de mágica.
Falando
da literatura especializada no assunto, atualmente já existe um vasto leque de
material produzido, mas, o livro do atual Controlador-Geral do Estado de Minas Gerais,
Rodrigo Fontenelle Miranda, intitulado Implementando a gestão de riscos no
setor público (2ª ed.), veio, segundo o autor do prefácio, preencher mais
uma lacuna, pois, explora didaticamente as principais estruturas da
gestão de risco e oferece aos gestores um guia prático para a sua efetiva implementação
e, consequentemente, afasta alguns mitos sobre sua ineficácia,
devidamente abordado pelo autor da obra para desvendar as inconsistências de,
pelo menos, cinco mitos ligados ao tema.
Na
obra, Fontenelle conceitua a gestão de risco como sendo um elemento-chave de
governança, a pedra angular da arquitetura de uma organização que permite, em
primeiro lugar, saber quanto risco aceitar na busca de melhor valor para os
cidadãos e partes interessadas, e, em segundo lugar, melhorar as
informações para o direcionamento estratégico. Naturalmente, esse processo,
segundo o autor, é dinâmico, interativo e personalizado, pois, envolve a
aplicação sistemática de políticas, procedimentos e práticas de comunicação e
consulta, avaliação, monitoramento, análise crítica e registro de relatos de
riscos, como está explícito nas Nomas da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (2018).
Não
há dúvidas que, para este autor, gestão de risco é um instrumento de tomada
de decisão da alta administração visando melhorar o desempenho da instituição,
por isso, seus métodos e técnicas devem ser incluídas na definição de
estratégias, planejamento e processos de negócios, salvaguardando a
perenidade e a sustentabilidade das instituições públicas. Portanto, é
considerado uma boa prática de governança, pois, inclui aspectos relacionados a
accountability, transparência, monitoramento, dentre outros.
Naturalmente,
para garantir que haja um bom gerenciamento de riscos, precisa-se apenas de uma
coisa: definir os objetivos institucionais, ou seja o fim que se quer atingir
ou o propósito a alcançar de acordo com a atividade fim de cada instituição.
Essa definição permite lidar de modo eficaz com as (in)certezas dos riscos e
oportunidades. Logo, não havendo objetivos institucionais, não se pode falar em
eventos internos ou externos que podem atrapalhar ou ajudar a atingi-los.
Mas,
a gestão de riscos tem um compromisso com o futuro das instituições ao buscar
antever a ocorrência de eventos e controlar as consequências e os impactos
sobre elas. Desta forma, é possível e desejável iniciar e dar continuidade ao
processo de gerenciamento de riscos, identificando os que representam ameaças
para que os objetivos não sejam, efetivamente, atingidos. Então, é dever dos gestores,
gerenciar os riscos da sua instituição, mantendo em primeiro plano o interesse
público.
Quando
claramente definidos, os objetivos desdobram-se em metas e indicadores, que
representam o rumo que as instituições devem seguir. Sendo assim, é um
imperativo que todas devam ter clareza de seus objetivos, metas e indicadores mais
importantes, pois, permite compreender de que forma as ações de gestão de
riscos podem contribuir para a mitigação dos problemas com maior potencial de
gravidade.
Conhecer
os objetivos de uma instituição é tão importante quanto o mapeamento e a identificação
dos riscos decorrentes dos ambientes interno e externo que tornam incerto determinados
objetivos. Estes podem ser de natureza operacional, legal, tecnológica, ambiental,
patrimonial, fraude e corrupção. Infelizmente, sempre existirão riscos
desconhecidos, por isso, é um processo que deve ser monitorado e aprimorado
continuamente.
Um
marco importante no Brasil foi a publicação da Portaria no 150/2016
que institui o Programa de Integridade e o Comitê de Gestão Estratégica do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A partir daí foi construída,
segundo Simão, uma metodologia para gestão de riscos. Então, a
preocupação com os riscos passou a ser uma realidade objetiva, pois, se uma
instituição não conhece os riscos que está exposta, não os identifica, nem os
mapeia, pode-se assegurar com certo grau de certeza que, o sucesso de qualquer
programa de integridade estará comprometida, como assevera Ederson Porto, em
Compliance & governança corporativa.
Por
isso, passou a ser um componente obrigatório dos Programas de Integridade das
instituições públicas nos estados e municípios do país. Os programas têm como
objetivo promover adoção de medidas e ações destinadas à prevenção, à detecção e
à remediação de fraudes e atos de corrupção. Logo, a gestão de riscos passou a
ser vista como uma ferramenta que permite mapear os processos organizacionais
das instituições, de forma a identificar as fragilidades que possibilitam a
ocorrência de desvios, fraudes e atos de corrupção.
Nesse
sentido, especialistas defendem que a gestão de riscos deve ser um processo
permanentemente, monitorado pela alta administração, pois, contempla ações
como: identificar, avaliar e gerenciar potenciais eventos que possam afetar a
instituição, visando fornecer certa segurança na realização dos objetivos.
Para
concluir, é importante ressaltar que, gestão de riscos não deve ser vista como
mais uma burocracia, um gasto desnecessário ou o aumento de trabalho, mas como uma
ferramenta útil que requer dos gestores uma conduta proativa na identificação das
diversas situações em que a instituição está exposta, objetivando reduzir as
incertezas, através da criação de uma cultura fundamentada na prevenção, avaliação
e correção dos rumos da instituição.
Por
isso, reforçamos a tese de Fontenelle, segundo a qual, gestão de risco é a
pedra angular da arquitetura de uma instituição para o sucesso estratégico e
operacional e precisa se encaixar bem como um processo de governança das
instituições públicas. Mas, para melhor entender tais desdobramentos, sigamos
todos, o conselho de Valdir Simão, que sugere a leitura do livro de Fontenelle como
obrigatória, pelo menos para os gestores públicos que queiram
implementar e/ou aprimorar a gestão de riscos nas instituições que dirigem,
visando obter os melhores resultados possíveis.
Niterói, aos 20/10/2021.
[1] Atua como Consultor do Núcleo de Integridade da Controladoria Geral do Município (CGM-Niterói). É autor das obras: Entretextos: coletânea de textos acadêmicos. - 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora PoD, 2017; Paradoxos da condição humana: grandeza e miséria como paradoxo fundamental em Blaise Pascal. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019; Religar-se: coletânea de breves ensaios. - 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2020; Blaise Pascal: o caniço pensante. - 1ª ed. - Rio de Janeiro, 2021 e de vários artigos publicados em revistas acadêmicas.
Sem comentários:
Enviar um comentário